Espero, caros leitores, que as pequenas histórias que acompanharão a seguir demonstrem bem que existem mais coisas na vida do que a nossa vil racionalidade – na verdade, existem bem mais coisas irracionais do que racionais! A beleza que podemos captar com nossa racionalidade de se acordar vivo é tão impressionante quanto o horror irracional de não se acordar!
A primeira história é bem simples: o que uma linda menina ruiva poderia pensar de mal ao encontrar um pequeno cachorro de brinquedo jogado na rua? Nada de muito importante, além de seu destino! Ela poderia tê-lo deixado na rua e ter continuado sua jornada... mas quis o brinquedo! E, sem querer, descobriu o terror!
Ela deitou no sofá da sala e observou o brinquedo com profunda admiração. Seus pais não estavam e o silêncio da casa combinava bem com o olhar estático da menina ruiva no pequeno cachorro de brinquedo. Ela não entendia o fascínio que este pequeno cachorro de brinquedo produzia. Suas formas, seus contornos, suas cores – algo no pequeno cachorro de brinquedo era lindo e misterioso para a menina ruiva.
Ela fechou os olhos e segurou o pequeno cachorro de brinquedo no seu peito, amassando a linda rosa estampada em sua camisa branca, e adormeceu mais feliz do que em qualquer outro momento de sua vida.
Pouco depois, ela começou a ouvir latidos – latidos longos e profundos. Abriu os olhos e os latidos continuaram sempre longos e profundos. A menina ruiva estranhou: nunca ouvira estes latidos antes. Os cachorros da vizinhança latiam bastante, é verdade, mas jamais desta forma.
A menina ruiva olhou pela janela da sala e não viu cachorro algum. Na verdade, não viu viva alma: estava tudo deserto e, com exceção os latidos longos e profundos, que ficavam cada vez maiores e mais próximos, parecia que não existiam outros sons na rua. Ela abraçou o pequeno cachorro de brinquedo ainda mais forte.
Segundos depois, os latidos longos e profundos aproximaram-se e a menina ruiva se assustou. A porta da entrada começou a ser forçada violentamente, com estocadas muito fortes, como se alguém – ou algo – quisesse entrar.
Ela correu para seu quarto, ainda segurando o pequeno cachorro de brinquedo, trancando a porta. Ela gritava por socorro, mas seus gritos eram encobertos pelos latidos longos e profundos. Um terrível barulho rompeu-se pela casa: a porta da frente da casa fora quebrada. Os latidos longos e profundos, logo, ficaram mais próximos e a porta do seu quarto, assim como a da sala pouco antes, começou a ser forçada violentamente.
A menina ruiva tentou sair pela janela, mas esta não abria. No seu desespero, ela largou o pequeno cachorro de brinquedo na sua cama. E, estranhamente, tudo ficou silencioso. Os latidos longos e profundos cessaram, assim como as estocadas na porta. Ela virou-se lentamente para sua cama e, para seu espanto, não viu o pequeno cachorro de brinquedo.
A menina ruiva, finalmente, ouviu os barulhos da rua. E um carro chegando – eram seus pais! Ela sentiu-se feliz e segura. Abriu a porta do seu quarto e correu até a sala. Estava abrindo a porta da sala, sem marca alguma, para sair e abraçar seus pais quando se assustou outra vez: ouviu um berro desesperado na rua!
A menina ruiva saiu e viu sua mãe, chorando em total desespero, enquanto seu pai a segurava, chorando igualmente. Ambos olhavam na frente do portão da casa, mais especificamente na calçada onde ela estava brincando antes de ver o pequeno cachorro de brinquedo.
Sua mãe gritava “Minha filha! Minha filha!” Tudo estava confuso na mente da menina ruiva. Andando lentamente, tomada de pavor, a menina ruiva se aproximou da rua e viu o que estava acontecendo: um pequeno corpo inerte caído na rua, vestindo calça de jeans preto, com marcas de sangue na linda rosa estampada na camisa branca. Longos cabelos vermelhos estavam jogados no chão. Marcas de mordidas se espalhavam pelo corpo. Mordidas de cachorro.
A menina ruiva andou, por algum tempo, totalmente tonta. E, algum tempo depois, viu um menino brincando na calçada, provavelmente na frente da sua casa. Do outro lado da rua ela viu um pequeno carro de brinquedo. Era um objeto antigo e pouco conservado, pouco atraente como brinquedo. Sujo e velho.
O menino viu o pequeno carro de brinquedo e foi atrás dele. Ela sorriu e falou para si mesma: “Ele vai morrer atropelado!” E, pouco depois, ela desapareceu. Para sempre.
E o homem adulto, tem tais critérios para, digamos, fugir do terror? Em muitos sentidos, sim: ele pode escolher seus caminhos e evitar problemas – e a traição sempre será um grande problema humano, ainda mais envolvendo marido e mulher. Será possível esquecer uma traição? E, principalmente, o que fazer quando se viu a traição? Esquecer? Separar? Assassinar? Na história humana esta última alternativa tem sido a mais usada – e, sendo a mais radical, a que mais produz efeitos!
A história que se segue demonstra bem que as traições e assassinatos podem ser mais trágicos do que seus protagonistas desejam!
Um homem andava tranqüilamente na sua fazenda numa linda noite. A lua cheia iluminava seu caminho e, com exceção do barulho de alguns porcos no chiqueiro, tudo estava silencioso. Ele, então, entrou no celeiro e acendeu a luz que tinha no local.
O celeiro era um grande galpão com ferramentas espalhadas no chão, capim, algumas sacas de alimentos e várias roldanas com cordas anexas, quase todas estas cordas com ganchos nas pontas, para carregar as sacas nos veículos da fazenda ou para transferi-las de lugar – apenas uma, a maior, estava sem corda. O homem olhou para esta roldana. Imagens vieram em sua mente. Imagens e diálogos recentes.
“Lamentamos informar que sua esposa faleceu! – disse o policial. – Aparentemente ela se enforcou no celeiro. Ela prendeu uma corda na roldana maior, colocou a ponta desta corda no pescoço e saltou. Sinto muito informá-lo disto!”
O homem sorriu no meio de suas lembranças. Ele não lamentava o que tinha acontecido – fora ele quem amarrara a corda na roldana e ponta desta mesma corda no pescoço da esposa e a jogara lá de cima.
“Traidora desgraçada!”, ele pensou. Ela merecia, sim, o fim que teve! A traição era um crime gravíssimo para ele – inaceitável! O homem fechou os olhos e lembrou daquele fatídico dia em que tinha chegado mais cedo em sua casa e ouvido sons estranhos no seu quarto. Ele suavemente aproximou-se do quarto e olhou no espaço entreaberto da porta. Viu sua esposa com os olhos arregalados e um grande sorriso de prazer enquanto sentia-se mulher com outro homem!
Ele olhou para a roldana, que agora balançava um pouco, e sorriu ainda mais. Lembrava de ter gritado em desespero na frente do policial. Lembrava de sair correndo para o celeiro e sendo segurado por todos que estavam ali. Lembrava de chorar como uma criança no enterro. E também lembrava o quanto ele, antes de matá-la, tinha ensaiado todas estas reações.
A roldana balançou mais forte enquanto o homem ainda pensava. Outra imagem surgiu em sua mente naquele momento: sua esposa enforcada naquela roldana. Fora difícil levá-la no celeiro, mas já estava tudo pronto: a corda já estava na roldana, devidamente presa. Bastou levá-la para o local mais alto, colocar a corda no seu pescoço e jogá-la. Ela ficou balançando por um bom tempo. Ele a viu, estranhamente, como a tinha visto no momento da traição: seus olhos estavam arregalados e sua boca exibia um grande sorriso.
A porta do celeiro bateu violentamente e fechou. A luz apagou. O homem, surpreso, olhou para os lados e nada viu. A roldana continuava balançando, um pouco mais forte desta vez, agora iluminada apenas pela luz do luar.
Ele percebeu que a roldana balançava como balançou naquela noite, como se estivesse com a corda e com o corpo de sua esposa. Percebeu também que não estava ventando. Ele estranhou e aproximou-se, ficando debaixo da roldana. E, neste exato momento, a roldana parou. E ele viu uma imagem que o aterrorizou: lá estava o corpo de sua esposa. Ela inclinou a cabeça para baixo e o encarou. Ela estava com os olhos arregalados e um grande sorriso.
Logo, a roldana caiu. Um grito foi dado. E tudo ficou silencioso outra vez, com exceção do barulho dos porcos no chiqueiro. Encontraram o corpo do homem de manhã. Quem o encontrou não pode esconder seu horror: apesar da roldana ter esmagado a cabeça, deu para perceber que o homem morrera de olhos arregalados e com um enorme sorriso.
Juntos na vida e juntos na morte! Os desejos humanos são facilmente realizados. “Cuidado com o que você quer, menina, pois pode acabar conseguindo!”, diz o ditado popular. Ambos conseguiram o que desejavam – ela um amor ou desejo satisfeito, ele a morte da traidora. Ambos também conseguiram o que não desejavam – a morte! Coisas da vida, digamos. Coisas da morte, afirmamos!
Desejos podem ser poderosos e perigosos. Nada é mais poderoso do que os desejos de uma mãe para o melhor de seus filhos! E, também, nada pode ser mais perigoso quando elas sentem que não fizeram tudo o que tinham de fazer. Será que as mães sempre ficam satisfeitas com seu amor dado aos filhos? E, quando não, como será tentar voltar atrás e dar tudo o que não conseguiram antes? É possível? É desejável???
A história que se segue mostra a força dos desejos maternos – e seus perigos, ainda mais quando se tenta voltar a um tempo que não pode mais ser retomado.
Um carro aproximou-se da imensa casa rodeada de árvores. O portão, automático, abriu-se e o carro rapidamente entrou iluminado por um raio muito intenso seguido de um trovão retumbante. A chuva começaria logo, mas parecia não importar à mulher dentro do carro. Depois de seguir uma pequena pista feita de pedras, ela estacionou o carro na frente da imensa casa. A chuva começou lentamente e alguns pingos a atingiram. Seu rosto triste mostrava que ela nada tinha sentido.
Dentro da casa a mulher dirigiu-se ao bar, encheu um copo com uísque e sentou-se no imenso sofá na sala. Vieram outros raios e trovões, seguidos de uma forte chuva. A mulher pegou um retrato sobre uma mesinha perto do sofá, que continha a fotografia de um menino, com aproximadamente 10 anos de idade. Ela tomou um longo gole de uísque e algumas lágrimas escorreram de seu rosto. Ela encostou o retrato no seu peito e começou a chorar mais forte.
O barulho da chuva caindo e o soluçar da mulher retumbavam por toda a casa, sendo que seu soluçar parou pelo tocar do telefone. Ela pegou o telefone.
- Ah, é você! – respondeu a mulher, com desprezo. – O que você quer? COMO? Você quer saber se estou bem? CLARO QUE NÃO! Só um medíocre como você poderia perguntar algo assim depois do que aconteceu... NÃO ESTOU GRITANDO! E, sim, ESTOU BEBENDO, SIM! Não é da sua conta o que eu faço... O QUÊ? Como ousa dizer isto, seu CANALHA! Mais do que ninguém EU O AMAVA! NÃO ME FALE DAQUELE DIA!!! DEIXE-ME EM PAZ! – e desligou brutalmente o telefone, indo até o bar para encher o copo com uísque novamente. Voltou-se a sentar no sofá, exatamente como estava sentada antes do telefonema. E segurou o retrato exatamente como tinha segurado antes. Seu soluçar ficou mais alto e suas lágrimas aumentaram.
- Não fui eu, amor! Não fui eu! – ela falava, entre um gole e outro de uísque, entre uma lágrima e outra que caía a cada soluçar. Raios, trovões e chuvas completavam o som do local. Logo, ela adormeceu.
Um trovão muito forte a acordou. Tudo estava apagado, pois a energia elétrica havia acabado por causa do mau tempo. O copo, vazio, estava caído no chão. O retrato ainda estava no seu peito. Ela levantou-se, ainda zonza e com dor de cabeça, sem saber para onde queria ir. Um raio iluminou a sala e ela, intrigada, viu a figura de um menino. O mesmo do retrato.
- Oi, mamãe! – disse o menino, com uma expressão vazia no rosto.
Ela abriu os olhos e sorriu. Não estava mais zonza nem a cabeça doía mais. Ela correu até o menino e o abraçou, ajoelhando-se. Abraçou com muita vontade.
- Meu filho! MEU FILHO! É você, não? Sim, É VOCÊ! Pensei que jamais o viria outra vez! – e abraçava forte o menino, que, por sua vez, não mudava a expressão vazia do rosto. – Estava com saudades de você, meu filho! – disse a mulher, chorando e rindo ao mesmo tempo.
- Eu sei, mamãe! – disse o menino sem maiores emoções. – Estou aqui como você queria.
Ela chorava muito e o abraçava com força.
- Andou bebendo de novo, mamãe? – perguntou o menino com frieza.
Ela olhou para ele com os olhos cheios de lágrimas.
- Não importa! – ela disse. – O que importa é que você voltou!
Ele manteve-se impassível enquanto andou para o centro da sala, desvinculando-se do abraço dela.
- Naquele dia você bebeu, mamãe! Lembra-se? – ele disse, olhando para o copo caído no chão. – Você e papai brigaram feio na cidade e você me trouxe para cá. Você bebeu muito naquele dia!
Ela levantou-se e, parando de chorar, olhou com preocupação para o menino.
- Por que você está falando estas coisas? Aquele dia passou e você está aqui!
- Aliás, você sempre bebeu! – continuou dizendo o garoto, sem emoções. – Desde que me conheço por gente! Nossa vida sempre foi ver você beber e brigar com papai ou brigar com papai e beber. Sempre a mesma coisa.
Ele pegou o copo do chão e o olhou profundamente. Viu ainda um pouco de uísque no seu interior.
- O que isto tem que eu nunca tive, mamãe? – perguntou o menino. – Meu sorriso, minhas notas na escola, minhas brincadeiras... nada disso conseguia fazer você olhar para mim – você sempre olhou para isto!
Ele continuou olhando para o copo.
- Naquele dia, vindo para cá, tudo ficou escuro por um momento... lembro muito pouco daquele dia. – disse o menino. – Na verdade, a única coisa que me lembro bem foi o seu cheiro disto antes de tudo ficar escuro, mamãe!
- Meu amor! – disse a mulher, aproximando-se do menino, tirando o copo de sua mão, abaixando-se para poder olhar dentro dos seus olhos. – Tudo isto passou, meu amor! Errei muito antes e jamais te dei o amor que deveria ter te dado... mas, agora, com a sua volta, tudo será diferente! Aquele dia acabou e não acontecerá de novo! Não é tarde, meu amor! Tenho outra chance para te dar todo o amor que jamais te dei! Ainda não é tarde!
Pela primeira vez na noite, ele sorriu. Mas ela ficou mais assustada do que propriamente calma com este sorriso. Seu sorriso era aterrorizante, não confortador.
- É tarde sim, mamãe! – respondeu o menino. – Mais tarde do que você imagina!
Ele começou a pular pela sala, gritando histericamente “MAMÃE! MAMÃE! MAMÃE!”, enquanto que os raios, trovões e a chuva continuavam inabaláveis.
- Meu amor, o que aconteceu? – disse a mulher, chorando.
- Você nunca me amou, mamãe! – respondeu o menino, ainda pulando. – Jamais amou alguém!
- EU TE AMO!!! – ela gritou.
Ele parou de pular e a olhou profundamente.
- Não me amou quando eu estava vivo... como poderia me amar agora? – e, no final destas palavras, ele sorriu. O mesmo sorriso aterrorizante de momentos atrás.
Ela parou de chorar e, paralisada, tentou entender as palavras de seu filho.
- Você me matou naquele dia, mamãe! – respondeu o menino, iluminado por um raio. – Desde que você saiu do hospital que não se conforma com isto e vive me chamando... não quis vir aqui, mas tinha de vir depois de tantos chamados.
Ela estava paralisada.
- Não quis vir porque te odeio, mamãe! – ele respondeu. – Mas estou aqui, certo? Vim aqui para te pegar! – ele disse, sorrindo. – Vamos brincar de esconde-esconde? Nunca brincamos disso! Enquanto eu me viro na parede e começo a contar até 50 e você vai se esconder e eu vou te achar... para sempre!
Ele encostou o rosto na parede e começou a contar, falando os números bem alto. Ela, aterrorizada, começou a correr. Subiu as escadas, entrou no seu quarto e fechou a porta, passando a chave com afobação.
- Perdoe-me, meu amor! Meu filhinho amado! – ela, ajoelhada na porta do quarto, falava chorando.
- Eu vou te achar, mamãe! – o menino disse, com sua voz bem perto da porta. A maçaneta da porta começou a ser mexida com força. Ela afastou-se da porta, andando de costas.
- TE PEGUEI, MAMÃE! TE PEGUEI!!! – gritou o menino, surgindo atrás da mulher! – Agora estaremos juntos... PARA SEMPRE!!!
O menino estava diferente: seu rosto apresentou-se deteriorado, assim como seu corpo, sendo que suas roupas estavam rasgadas e sujas. Este era sua verdadeira forma agora.
Ela, horrorizada, não viu a janela nas suas costas e caiu, dando um longo grito de agonia.
O menino, olhando pela janela o corpo de sua mãe no chão, comentou:
- Estaremos sempre juntos, mamãe! – disse o menino, com a expressão do rosto, todo deteriorado, indiferente. – Juntos no INFERNO!!!
A chuva continuou junto dos raios e trovões. E a mamãe e seu filho ficaram eternamente juntos... no INFERNO!
É quase sempre impossível voltar no tempo e refazer o que tinha de ser feito... talvez seja o pior dos terrores humanos! Aproveitar o momento, não perder a chance de fazer o que tem de ser feito ou esperar para depois? Eis uma questão que nunca será resolvida!
Espero, caros leitores, que vocês tenham gostado destas pequenas histórias. Caso sim, um abraço! Caso não... vocês serão os próximos protagonistas destas e outras histórias! E, como viram, o final sempre é infeliz!

